O AlphaFold é o método do estado da arte para modelagem de estruturas de proteínas. Ele é baseado em redes neurais profundas e utiliza, como entrada, dados de sequências proteicas, de alinhamentos múltiplos de sequências e de estruturas resolvidas experimentalmente. Basicamente, ele aprende as mutações que podem ocorrer ao longo da evolução e as relaciona a mudanças conformacionais em estruturas de proteínas. As redes neurais predizem as distâncias entre pares atômicos e, a seguir, as coordenadas tridimensionais dos átomos.
O método tem obtido bons resultados para protéinas com baixo grau de homologia com outras conhecidas e até para a modelagem de complexos proteicos, pela capacidade de generalização das redes neurais produndas. Existem bancos de dados de modelos já produzidos para todo o proteoma humano e para mais de 20 espécies de organismos referência. O próprio Protein Data Bank (PDB) já alterou sua política para trazer, além de estruturas resolvidas experimentalmente, modelos teóricos.
É um método bastante acessível para uso da comunidade científica. Especialmente porque existe uma interface de terceiros, o ColabFold, que permite executar por detrás o AlphaFold2 e o AlphaFold2-multimer (sua versão para modelagem de complexos proteicos) através de um GoogleColab Notebook. Basta passar como entrada a sequência a ser modelada e o sistema faz a busca por sequências e estruturas homólogas e gera o modelo final. O sistema gera também inúmeras análises que permitem ao usuário entender a qualidade e os possíveis usos do modelo teórico construído.
O problema é que as análises trazidas pelo AlphaFold tem gerado dúvidas. Neste post, vamos esclarecer estas análises. Quando geramos um modelo usando o ColabFold, ele gera, na verdade, 5 modelos. O resultado mostrado na Figura 1 é o primeiro dos modelos gerados. Eu gerei usando uma sequência fictícia. Peguei a sequência original e introduzi substituições, deleções e inserções para não ser tão fácil gerar um modelo de alta qualidade.
- Sequência original: PIAQIHILEGRSDEQKETLIREVSEAISRSLDAPLTSVRVIITEMAKGHFGIGGELASK
- Sequência fictícia: PIAQIRLLDGRAASDFGCLKHDENKETIIDDAISKSLEAPITSARVTEMALLGHFGEIASHH

A Figura 1 mostra, à esquerda, o modelo colorido nas cores do espectro indo do N-terminal (azul) para o C-terminal (vermelho). À direita, vemos o mesmo modelo colorido segundo a principal métrica de qualidade usada pelo AlphaFold, que é o lDDT. Quanto mais vermelho, pior a qualidade do segmento e quanto mais próximo de azul, melhor a qualidade (no caso deste exemplo, não existem trechos azuis).
lDDT é um acrônimo para Local Distance Difference Test. Para explicar como ele funciona e o objetivo da concepção desta métrica, é preciso introduzir os métodos de comparação de estruturas primeiro. A avaliação de técnicas de predição da estrutura de proteínas requer critérios objetivos (métricas) para avaliar a similaridade entre um modelo computacional e a estrutura de referência, a experimental. As métricas de similaridade clássicas (RMSD, por exemplo) exigem um procedimento de sobreposição global dos átomos (usualmente apenas os de carbono-α). Elas são muito sensíveis a pequenas movimentações de domínios, dando valores mais altos mesmo que uma pequena parte da estrutura esteja em conformação diferente.
A lDDT é uma pontuação que independe de sobreposição estrutural prévia e avalia as diferenças de distância local de todos os átomos em um modelo. A referência pode ser uma única estrutura ou um conjunto de estruturas similares.
A lDDT é calculada considerando as distâncias entre todos os pares de átomos na estrutura de referência situados a uma distância mais próxima do que um limiar predefinido (chamado raio de inclusão, Ro) e não pertencente ao mesmo resíduo. A distância é considerada conservada no modelo que está sendo avaliado se tiver, dentro de um limite de tolerância, o mesmo comprimento da referência. Se os átomos que definem a distância não estiverem presentes no modelo, a distância é considerada não conservada.
A lDDT é calculada em uma faixa de valores limite. Para cada limite, a fração de distâncias conservadas é calculada. A pontuação final é a fração média de distâncias conservadas em quatro limites de tolerância:
- 0,5 Å
- 1,0 Å
- 2,0 Å
- 4,0 Å
As pontuações locais de lDDT também podem ser calculadas por resíduo e representam a fração média de distâncias conservadas que envolvem átomos do resíduo.
Foi demonstrado [1] que o lDDT é adequado para avaliar a qualidade do modelo local, mesmo na presença de movimentos de domínio, mantendo boa correlação com medidas globais. Essas propriedades tornam o lDDT uma métrica robusta para a avaliação de modelos tridimensionais de proteínas. Como, no caso do AlphaFold, os modelos são previsões teóricas, eles chamam o lDDT de plDDT, onde o p indica predito.
Segundo a documentação do próprio AlphaFold [2], regiões com:
- plDDT > 90 são modeladas com alta precisão, devem ser adequados para qualquer aplicação (por exemplo, identificação e caracterização de sítios de ligação).
- 70 < plDDT <= 90 são bem modeladas (uma previsão de backbone confiável).
- 50 < lDDT <= 70 são de baixa confiança e devem ser tratadas com cautela.
Para concluir, veja os plDDTs para os 5 modelos preditos pelo ColabFold na Figura 2. Como é uma sequência fictícia, cheia de mutações, inserções e deleções, a maior parte do modelo tem as métricas abaixo de 80, indicando baixa qualidade ou apenas confiabilidade na predição do backbone em alguns trechos. Particulamente, a região entre 12-22 foi uma inserção de resíduos aleatórios “AASDFGCLKH“. Isso pode ser visualizado de forma mais qualitativa na Figura 1, em que as regiões de mais baixo lDDT estão em vemelho e o restante está em verde, indicando qualidade mediana.

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Até a próxima,
Raquel
Referências
[1] Mariani, Valerio, et al. “lDDT: a local superposition-free score for comparing protein structures and models using distance difference tests.” Bioinformatics 29.21 (2013): 2722-2728.
[2] plDDT, segundo o FAQ do AlphaFold. https://alphafold.ebi.ac.uk/faq#faq-5
Um comentário em “Como avaliar os resultados do AlphaFold? – Parte I – lDDT”